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Foto do escritorElis Barbosa

ProvocAções


Todo o trabalho de repensar o modo como me relaciono comigo, com o outro e com o mundo acontece por escolha em algum nível, importante lembrar. Isso é bom. Debruço sobre a construção que é tornar-se mulher, desde que o mistério da minha “condição” impunha limitações reais à minha experiência de vida. Menino pode. Menina não pode.


Até agora tudo que vivi, li e elaborei, levam ao seguinte entendimento: é cada vez mais urgente as mulheres seguirem construindo o que desejam para si. Uma a uma mesmo, que ainda é essa nossa condição mais íntima e estruturada no mundo.

Inclusive, acredito ser a partir da experiência do autocuidado, do entendimento de si enquanto sujeita de desejo e tudo que isso implica e amplia, da cidadania de direitos para que os deveres sejam compatíveis, é que chegaremos ao entendimento de que não há nada no mundo nos definindo a partir de um “nós mesmas”.

Isso me faz pensar que, talvez, sejamos livres em lugares que não tem ninguém olhando, nem nós mesmas, há gaiolas abertas, há desejo de amplidão, então porque ainda permanecemos?

Sem julgamentos.

“[as mulheres] não têm os meios concretos de se reunir em uma unidade que se afirmaria em se opondo. Não tem passado, nem história, nem religião própria; não tem como os proletários, uma solidariedade de trabalho e interesses; não há sequer entre elas essa promiscuidade espacial que faz dos negros nos EUA, dos judeus dos guetos operários de Saint-Denis ou das fábricas Renault uma comunidade. (...) Vivem dispersas entre homens.”

Titia Simone de Beauvoir diz isso lá no segundo sexo, quando mostra que outros grupos aos quais foi imposta uma minoritariedade falsa (proletários, judeus e negros), tem uma cultura, uma tradição ou interesses comuns que os une e oferece sentido à essa unidade, enquanto as mulheres não tem. Parece que reduziram nosso laço ao laço de fita.

Talvez a própria luta por direitos possa ser reconhecida historicamente como esse lugar fecundo para a ligação de todas nós. Reparem como se celebra o dia 8 de março hoje, 2023, caminhamos para longe da tradição rosa vermelha, batom e chocolate. Inauguramos eras, traímos a tradição para não trair o desejo de ser o que quiser.


Mas a que preço? eles perguntam. Deixa eu ver aqui o que as mulheres pagam já tem um tempo, a conta do machismo e sua manutenção deixo aos que vem se beneficiando dos privilégios desse modo de fazer também já tem um tempo. A sustentação de base do planeta se faz sobre o trabalho reprodutivo, aquele destinado às mulheres pela “natureza” (só se for pela natureza do homem), do parir à sustentação emocional/psíquica passando por todas as tarefas mecânicas e materiais de promoção e manutenção das vidas sob seus cuidados. Acontece que trabalho reprodutivo não é remunerado, de modo que as mulheres ficam submetidas às dependência de quem tenha autorização de acessar o trabalho produtivo, ou seja aquele costumeiramente remunerado. Mas se quiser, a mulher pode realizar o mesmo trabalho produtivo, porém, para ser mantida num lugar menor, ganha menos. Até os dias de hoje. O compromisso da moral que herdamos é com a manutenção de uma ordem social com a qual não compactuamos mais. Temos, para além da própria experiência silenciada das mulheres, para além das testemunhas invisibilizadas, suficiente evidência científica e teórica do quanto é prejudicial à vida das pessoas todas, uma sociedade que reconhece o outro enquanto alvo, não enquanto sujeitos. Tem mais, as mulheres vêm bancando a luta hostil e visceral para transformação dessa realidade, de sociedades inteiras. Trair o próprio desejo, trair a dimensão humana de si mesma, tem se mostrado ainda mais custoso, então mantemos a resistência. Mudar o mundo porque está ruim para uma parcela tem tempo, virou uma urgência de prazo expirado.

Mas vale a pena? E pra quem?

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